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Marradas, cornadas, coices e algumas lambidelas

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Os livros que mudaram a minha vida

Como sou uma vaca preguiçosa e com pouco tempo, fui buscar um texto que não é novo, tem a modos que uns anitos, mas acho que é um bom prólogo de blog, por isso cá vai ele:

O assunto surgiu-me porque me lembrei da desilusão que senti quando me deu para reler aquele que eu julgo que foi o livro que mudou a minha vida.

Tristemente descobri que o livro é uma merda.

Talvez tivesse sido melhor se não o tivesse relido, ou talvez não...

Descobri que afinal não foi o livro, fui mesmo eu, ou as circunstâncias que me fizeram mudar de rumo. Reflecti e constatei que o meu "singular" percurso foi semelhante ao de muita gente...

Passo a explicar: Era uma recém adolescente parva (como devem ser todas as raparigas de 13 anos). Ouvia tudo o que era música que me vinha parar às mãos e que estivesse na moda. Andava no Ballet, gostava de me vestir como a Barbie e as minhas amigas eram como eu, parvas e fúteis. Adorava o Elvis Presley e o Richard Gere porque eram bonitos, lia a Bravo, os policiais da Agatha Christie, o Asterix e a banda desenhada do Quino, porque quando fosse grande gostava de ser como a Mafalda - apesar de ser um bocado covarde para tomar posições.

Porque um rapaz vizinho, amigo do meu irmão (um rapaz do grupo dos grunhos, mas com quem eu falava, porque tinha pinta - sempre nutri simpatia por "gajos armados em outsiders") gostava, comecei a ouvir Doors.

Ele era fanático pelo grupo, e como eu o achava "O Máximo" (suspiro...), comecei a tentar saber tudo sobre a banda e como não podia deixar de ser, li a biografia do Jim Morrison.

Sim, também eu. Foi esse o livro que eu acho que mudou o rumo da minha adolescência (não propriamente para melhor nem pior, mas para mais adolescente).

Apaixonei-me pelo Jim Morrison e decidi que ia ser como ele, ou pelo menos o mais próximo que conseguisse daquilo que eu achava que ele foi - degredo e literatura (numa versão extremamente soft, estilo "g'anda maluca, mas só até à meia noite e meia, porque os meus pais não me deixam chegar mais tarde"...).

Comecei a fumar, um cigarro para 5, nos intervalos das aulas, de vez em quando uns charros (até aí não me aproximava das drogas porque tinha medo, mas fumava charros só ao ponto de ficar um bocadito drogada para os outros verem, mas suficientemente sóbria para tentar não fazer figuras tristes - como se fosse possível não fazer figuras tristes na adolescência...) a ler as obras de Nietsche, William Blake, Artaud, Hölderlin, Rimbaud, Verlaine, Oscar Wilde... e todos os livros que o Jim Morrison tinha lido. Assim como as biografias desses autores e os autores que os tinham influenciado.

Passei pelo Freud, Jung, Witgenstein, Sartre, Jean Genet, Marquês de Sade, Dante, Sófocles, Büchner, Brecht... nas artes plásticas li tudo o que encontrei (quanto baste, mas não muito, porque não havia ainda internet...) sobre o surrealismo, o dadaísmo, o expressionismo, arte pop (era uma rapariga de 14 anos que sabia quem era Max Reinhart e que via os filmes de Eisenstein e do Buñuel, que discutia as teorias da Gestalt e da escola da Bauhaus com o professor de educação visual do 8º ano - que pensava que eu era esquizofrénica).

Nos intervalos das leituras fazia números brilhantes como "deitar fumo pela orelha" (passo a explicar: como tinha, e tenho, um tímpano furado, se eu tapar o nariz e a boca e fizer pressão, sai ar. Eu dava uma passa num cigarro e Voilá, grande número e grande moka - que fazia com que eu reflectisse um pouco sobre a estupidez do acto, porque invariavelmente me dava uma vontade imensa de vomitar...).

Pelo caminho também lia autores portugueses, mas só os que eram ou malucos ou depressivos (Régio, Antero de Quental, Florbela Espanca, Almada, Pessoa, Mário de Sá-Carneiro - os meus preferidos eram os que se tinham suicidado). Aos dezasseis anos era uma gótica perfeita. Tinha a mania que era culta e inteligente, arrogante, revoltada, deprimida e ouvia Sisters of Mercy, Joy Division, Bauhaus, Velvet Underground,... bebia como uma esponja quando estava com os amigos (misturas tipo absinto com mescal e macieira) e quando já estava muito bêbada vomitava de propósito para poder continuar a beber. Faltava às aulas para ir beber para o café com os amigos e discutir poesia. Havia vários rapazes até que me elegiam como consultora literária para os seus belos escritos (tenho ainda alguns deles guardados, porque não sou de deitar nada fora, muito me rio...).

Em casa os meus pais não gostavam da maneira como eu me vestia, das minhas companhias e das minhas atitudes, mas como tirava sempre boas notas não tinham desculpa para me chatear.

A dada altura (primeiro porque tinha um tio uns anos pouco mais velho que eu que ouvia Fausto e Sérgio Godinho e que era fã do Miguel Esteves Cardoso, e depois porque descobri que ele traduzia Beckett e que trouxe a música dos Joy Division para Portugal, e porque O Independente era um jornal fixe, e a revista Kappa também), comecei a ler Miguel Esteves Cardoso e descobri que a boa literatura e a boa música não têm que ser ou sérias, ou deprimidas, podem ser sérias e bem-dispostas ou não e serem boas na mesma. Então descobri o Caetano Veloso e Chico Buarque, os Trovante, o Jacques Brell, a Nina Simone e o Jazz... Jorge Amado, Alberto Pimenta, Mia Couto, Luís Sepúlveda, Gabriel Garcia Marques, José Saramago, Aquilino Ribeiro, Sofia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade... Devia ter uns 17 anos.

Comecei a vestir-me com cores, cortei o cabelo. Já sorria e olhava para as pessoas que sorriam sem achar que eram inocentes e que sorriam porque não tinham consciência das agruras da vida. Comecei a descobrir que tinha uma atracção ainda maior por aquilo que me fazia rir e divertia, do que pelas coisas "cool" e "deep" e absurda e parvamente deprimentes.

Coincidiu também com a altura em que comecei a fazer teatro, descobri novos amigos, uns depressivos, outros bem-dispostos, uns mais artistas, outros mais normais... Coincidiu com começar a frequentar o Cineclube de Guimarães. Comecei a olhar para mim e a analisar-me, mais do que a construir-me. E cresci, pouco, mas alguma coisa, passei a ser uma adolescente com outro tipo de "pancadas".

Ultrapassei um bocado a idade das trevas das nossa vidas (a idade média - de mediana - pela qual cada um de nós tem de passar). E pronto.

Depois, já na universidade, voltei a ler muitos dos livros "pesados" que adorava e alguns achei-os chatos, outros excelentes, outros excelentes mas demasiadamente depressivos para conseguir gostar deles, outros não os percebi e nem percebi onde fui buscar interpretações que lhes dei na altura... enfim. Descobri também outros que não tinha lido na altura e que me fizeram muita falta como o Shakespeare.

Descobri que há muito mais Beckett para além de à Espera de Godot... Descobri que sou uma Maria Lamechas e com muito orgulho... Descobri que continuo a gostar de ouvir muita música que ouvia na adolescência... Acho aliás que ainda não saí completamente da adolescência!!!

Este livro (a biografia do Jim Morrison) reli na altura do concerto dos Doors em Portugal, assim como revi o excelente filme do Oliver Stone. Afinal o Jim Morrison era um parasita. Bêbado, dogrado, freak e porquito (o homem não mudava de roupa, três semanas com as mesmas calças de couro...). Afinal se o conhecesse era capaz de não lhe achar piada nenhuma, o gajo era uma besta. A música continua a ser do melhor, indiscutivelmente o homem foi um pioneiro, mas afinal não era um Deus (e acho mesmo que já morreu...). O livro, é uma biografia, fiel ou não, não interessa, mas a tradução é muito má (brasileira) e a escrita é muito primária. Reli-o milhões de vezes durante a minha adolescência. Era a minha bíblia.
Mas acho que na altura eu não andava muito preocupada com literatura...

Uma coisa é certa, para mal, ou para bem, cedo ou tarde de mais, os livros que li também fizeram de mim o que sou hoje.

E não há volta a dar!

8 comentários:

Anónimo disse...

Quase que fiquei sem folego. Quem escreve assim não é gago.
O livro da minha vida são todos os do Tio Patinhas. eh eh.

Maria Manuela disse...

E agora digam lá que a canalha não é assim .....assim...um bocadinho, só um bocadinho a atirar para o básico??? Tio patinhas lia eu com 4 anos...

E durante essa fase nunca te passou pela cabeça que podias ser adoptada?? Eu passei por aí.... lol

bjo

Anónimo disse...

Impressionada!;P

(cêtê)

Este "prado" promete!

Mas permita-me dizer-lhe que acho "malhada" demasiado vulgar ;)))))

vacamalhada disse...

Manuela, eu tinha a certeza que era adoptada. Peço desculpa aos demais pela vulgaridade das malhas, mas não foram opção...

Wolf disse...

Há coisas que realmente não mudam...

Faltaram Stephen King, Patrick Süskind, Charles Duchaussois, ... entre outros aí na adolescência da malhada vaca, esquecidos ou não lembrados, digo eu que sou lobo...

E o Lucky Luke? não?

Já arranjaste um cão pastor? Aqui para a vacaria? É que gado e lobo, têm tendência a não ser dar bem, pelo menos na adolescência, ehehehehe, acho que já passou, ou então... não.

vacamalhada disse...

Ó Lobito tu achas que uma mente sofisticada como eu pode admitir que também lia Stephen King, Patrick Süskind, Charles Duchaussois, como as mortais sopeiras da vida??
Já agora Allan Kardec!!...
Lucky Lucky está bem, é uma coisa, agora Stephen King são outros quinhentos...

tavguinu disse...

"Uma coisa é certa, para mal, ou para bem, cedo ou tarde de mais, os livros que li também fizeram de mim o que sou hoje."

e eu que no outro dia disse em alto e bom som que tinha lido a Biblia... foi o descalabro !

PS - gostei bastante do texto, espero que fiques por muito mais tempo !

Dani disse...

eheheheh

Muito culta, esta vaquinha...

Queres saber o que te digo?

MUuuuuuuuuuuuuuuu! e Chuac!

=)